Primeiro Capítulo de História e Geografia do Programa Internacional de
Ensino Fundamental em Língua Portuguesa da
Capim Dourado Ensino & Pesquisa
Confrontos sociais e território nacional
APRESENTAÇÃO
Durante o ano de 2000, inúmeras foram as comemorações dos 500 anos do “descobrimento” do Brasil e muitas as críticas ao que essa data significou. Os índios sempre questionaram esses cinco séculos. A sociedade brasileira, constituída sobre a destruição dos povos indígenas, não tinha o que comemorar.
A notícia da Associated Press foi uma das muitas publicadas. Ela diz que a data 1500 se resume à descoberta de terras que Cabral encontrou ocupadas milenarmente por vários povos de culturas diversas. Assim, 1500 marca o início de uma invasão. Essa é a história. O Brasil foi construído sobre sociedades e terras indígenas.
Tal realidade, bem como a existência há milhares de anos das populações indígenas da América, deveriam ser discutidas nas escolas. Outra reivindicação central da declaração dos 3.000 chefes foi a demarcação de todas as terras dos índios e a retirada dos invasores das áreas já demarcadas.
Apesar de hoje serem reconhecidos os direitos dos índios à terra, bem como a importância da preservação de suas diversas culturas para o próprio desenvolvimento do Brasil, ainda são noticiados casos de extermínios de populações e de contínuas invasões das terras. Isso é porque, como a notícia demonstra, os povos indígenas continuam resistindo e mostrando que discutir o território brasileiro é falar em terra de índio. Este é o tema deste capítulo: Confrontos sociais e território nacional.
A notícia da Associated Press foi uma das muitas publicadas. Ela diz que a data 1500 se resume à descoberta de terras que Cabral encontrou ocupadas milenarmente por vários povos de culturas diversas. Assim, 1500 marca o início de uma invasão. Essa é a história. O Brasil foi construído sobre sociedades e terras indígenas.
Tal realidade, bem como a existência há milhares de anos das populações indígenas da América, deveriam ser discutidas nas escolas. Outra reivindicação central da declaração dos 3.000 chefes foi a demarcação de todas as terras dos índios e a retirada dos invasores das áreas já demarcadas.
Apesar de hoje serem reconhecidos os direitos dos índios à terra, bem como a importância da preservação de suas diversas culturas para o próprio desenvolvimento do Brasil, ainda são noticiados casos de extermínios de populações e de contínuas invasões das terras. Isso é porque, como a notícia demonstra, os povos indígenas continuam resistindo e mostrando que discutir o território brasileiro é falar em terra de índio. Este é o tema deste capítulo: Confrontos sociais e território nacional.
DIREITOS DOS ÍNDIOS
Desde que você nasceu, o Brasil mantém as mesmas fronteiras políticas. Aliás, uma das últimas grandes alterações de nosso mapa foi em 1903. Naquele ano, o Acre, que estava incorporado à Bolívia, foi anexado ao Brasil.
Na América Latina, ao longo do século XX (vinte), podemos observar poucas transformações de fronteiras, se compararmos com outros continentes. As tensões sociais que a América enfrenta hoje têm suas raízes no processo de colonização empreendido por espanhóis e portugueses. Os povos ocupantes originais da América, a partir de 1492, denominados de índios pelos primeiros europeus, submetidos, escravizados, mortos, impedidos de professarem suas religiões, de manterem seus costumes e obrigados a se portarem e se vestirem como os europeus, começaram a perder suas terras. Mesmo assim, apesar de mais de 500 anos de domínio, da diminuição drástica da população e da dizimação de muitos deles, esses povos continuam lutando pela preservação de suas culturas, de seus direitos e suas terras.
No caso do Brasil, somente a partir da Constituição promulgada em 1988, foi reconhecido, oficialmente, o direito dos índios a preservar sua organização social, costumes, línguas, tradições e crenças, cabendo ao governo apoiar, incentivar e respeitar suas manifestações culturais e impedir a sua destruição. Até a década de 1970, o Estado brasileiro desenvolvia uma política que objetivava assimilar o índio, ou seja, integrá-lo, fazê-lo adotar os costumes e a cultura da sociedade nacional, o seu modo de vida. Essa postura desprezava as culturas indígenas e a sua importância para o próprio desenvolvimento do país.
A Constituição de 1988 confirma também o direito dos índios às terras tradicionalmente por eles ocupadas, por serem essenciais para sua sobrevivência física, por meio da produção agrícola e animal, da caça, da pesca e da coleta, bem como necessárias para a sua subsistência cultural. Para os índios, tudo na vida está interligado, da obtenção de alimentos ao conhecimento da flora e fauna, do aprimoramento de técnicas às teorias sobre a origem do mundo. Tudo se relaciona às terras em que vivem. Tal concepção é completamente diferente daquela das sociedades capitalistas, que encaram a terra como uma mercadoria, podendo ser vendida ou arrendada a qualquer momento.
Na América Latina, ao longo do século XX (vinte), podemos observar poucas transformações de fronteiras, se compararmos com outros continentes. As tensões sociais que a América enfrenta hoje têm suas raízes no processo de colonização empreendido por espanhóis e portugueses. Os povos ocupantes originais da América, a partir de 1492, denominados de índios pelos primeiros europeus, submetidos, escravizados, mortos, impedidos de professarem suas religiões, de manterem seus costumes e obrigados a se portarem e se vestirem como os europeus, começaram a perder suas terras. Mesmo assim, apesar de mais de 500 anos de domínio, da diminuição drástica da população e da dizimação de muitos deles, esses povos continuam lutando pela preservação de suas culturas, de seus direitos e suas terras.
No caso do Brasil, somente a partir da Constituição promulgada em 1988, foi reconhecido, oficialmente, o direito dos índios a preservar sua organização social, costumes, línguas, tradições e crenças, cabendo ao governo apoiar, incentivar e respeitar suas manifestações culturais e impedir a sua destruição. Até a década de 1970, o Estado brasileiro desenvolvia uma política que objetivava assimilar o índio, ou seja, integrá-lo, fazê-lo adotar os costumes e a cultura da sociedade nacional, o seu modo de vida. Essa postura desprezava as culturas indígenas e a sua importância para o próprio desenvolvimento do país.
A Constituição de 1988 confirma também o direito dos índios às terras tradicionalmente por eles ocupadas, por serem essenciais para sua sobrevivência física, por meio da produção agrícola e animal, da caça, da pesca e da coleta, bem como necessárias para a sua subsistência cultural. Para os índios, tudo na vida está interligado, da obtenção de alimentos ao conhecimento da flora e fauna, do aprimoramento de técnicas às teorias sobre a origem do mundo. Tudo se relaciona às terras em que vivem. Tal concepção é completamente diferente daquela das sociedades capitalistas, que encaram a terra como uma mercadoria, podendo ser vendida ou arrendada a qualquer momento.
Como os Kaingang concebem a sua origem e a importância que suas terras tradicionais têm em termos culturais?
Observe que a saída dos homens por buracos do solo aconteceu num tempo indeterminado ainda não encerrado. Parte dos Kaingang ainda se conserva subterrânea, e a ela se unem as almas dos que morrem aqui, sobre a terra. Ou seja, essas terras são fundamentais para eles, de onde vieram, de onde ainda podem vir outros grupos de Kaingang, e para onde retornam as suas almas. Note que, embora a localização dos buracos pelos quais os grupos chefiados por Kanyerú e por Kamé subiram à superfície não seja precisa, está claro que o local existe concretamente, no sudeste do estado do Paraná. Portanto, essas terras têm que ser preservadas.
A Constituição de 1988 estipulou cinco anos para que todas as terras indígenas fossem demarcadas. Entretanto, até 2000, de um total de 592 áreas, a maior parte na região Norte - nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e no Centro- Oeste – no estado do Mato Grosso – apenas 310 áreas (52%) estavam regularizadas, ou seja, reconhecidas por ato oficial do presidente da República e registradas em cartório público.
Essa demora na demarcação e regularização fundiária tem favorecido a contínua invasão das terras indígenas, o que resulta em conflitos com muitas vítimas entre os índios. Por isso, são recorrentes os protestos dos grupos indígenas, reivindicando a demarcação imediata de suas terras.
Observe que a saída dos homens por buracos do solo aconteceu num tempo indeterminado ainda não encerrado. Parte dos Kaingang ainda se conserva subterrânea, e a ela se unem as almas dos que morrem aqui, sobre a terra. Ou seja, essas terras são fundamentais para eles, de onde vieram, de onde ainda podem vir outros grupos de Kaingang, e para onde retornam as suas almas. Note que, embora a localização dos buracos pelos quais os grupos chefiados por Kanyerú e por Kamé subiram à superfície não seja precisa, está claro que o local existe concretamente, no sudeste do estado do Paraná. Portanto, essas terras têm que ser preservadas.
A Constituição de 1988 estipulou cinco anos para que todas as terras indígenas fossem demarcadas. Entretanto, até 2000, de um total de 592 áreas, a maior parte na região Norte - nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e no Centro- Oeste – no estado do Mato Grosso – apenas 310 áreas (52%) estavam regularizadas, ou seja, reconhecidas por ato oficial do presidente da República e registradas em cartório público.
Essa demora na demarcação e regularização fundiária tem favorecido a contínua invasão das terras indígenas, o que resulta em conflitos com muitas vítimas entre os índios. Por isso, são recorrentes os protestos dos grupos indígenas, reivindicando a demarcação imediata de suas terras.
Responda em seu caderno:
Qual a reivindicação que os índios estão fazendo na notícia de jornal acima?
A notícia acima nos informa sobre um protesto feito por cinco mil índios de diferentes tribos (Guarani, Caiuá, Kadiweu, Terena, Guató e Ofaié-Xavante), reivindicando a demarcação de terras. Lembre-se de que a notícia na abertura deste capítulo transcreve parte de uma declaração redigida por três mil chefes, representantes de 140 tribos indígenas. Esses atos mostram a organização e luta dos povos indígenas pelo reconhecimento da importância de suas culturas e pelo direito de preservar suas terras. Um fato essencial dessa luta é que, ao contrário do que se projetava nas décadas de 1960 e 1970, quando se supunha que a destruição total das populações indígenas era apenas uma questão de tempo, o número de índios cresceu vigorosamente nos últimos dez anos, conforme levantamento do Conselho Indigenista Missionário – CIMI. Enfim, falar sobre o processo de formação do território brasileiro implica refletir sobre a questão indígena e reconhecer que esse processo ainda está sendo definido.
OS ÍNDIOS NA POPULAÇÃO BRASILEIRA
O Brasil tem 8.511.996 quilômetros quadrados e concentra uma população de variadas descendências: americana, africana, européia e asiática. Tem como língua oficial o português. Porém, para alguns brasileiros, o português não é a primeira língua, ou seja, eles falam diariamente outros idiomas em suas casas, porque são imigrantes que se naturalizaram ou descendentes de imigrantes.
Alguns conversam em espanhol, italiano, japonês ou armênio com seus filhos, pais, avós, marido ou esposa. Preservam costumes, comidas tradicionais e roupas de sua terra natal. Outros falam línguas indígenas, como tukano, yanomámi, tikuna, guarani. Mantêm seus costumes tradicionais, suas danças, seu modo de vida e de educação das crianças. Quando os portugueses chegaram à América, em 1500, aprenderam com os índios a localizar os
caminhos para o interior, a se orientar e se alimentar nas matas, a encontrar colmeias e colher o mel, a distinguir as plantas comestíveis. Ocuparam as clareiras já abertas pelos índios para construírem suas vilas, aprenderam a utilizar venenos para pesca, assim como arcos e flechas na falta de pólvora. Os Munduruku, Tupari, Bororo, Zo’e, Waninawa e mais uma centena de povos, de culturas variadas eram os únicos senhores dessas terras até 1500.
O contraditório em nossa história é que, hoje, os índios, primeiros habitantes dessas terras, parecem estrangeiros em seu próprio país. Poucos brasileiros sabem falar as línguas indígenas e muitos exigem que os índios entendam português. Ademais, embora se afirme que o brasileiro é, basicamente, o resultado da miscigenação cultural e racial de ameríndios, africanos e europeus, nossas escolas pouco ou nada discutem com seus alunos sobre os costumes, as crenças e o modo de vida das várias etnias que habitam e habitavam o território nacional.
Mas como eram essas terras quando o portugueses chegaram?
Alguns conversam em espanhol, italiano, japonês ou armênio com seus filhos, pais, avós, marido ou esposa. Preservam costumes, comidas tradicionais e roupas de sua terra natal. Outros falam línguas indígenas, como tukano, yanomámi, tikuna, guarani. Mantêm seus costumes tradicionais, suas danças, seu modo de vida e de educação das crianças. Quando os portugueses chegaram à América, em 1500, aprenderam com os índios a localizar os
caminhos para o interior, a se orientar e se alimentar nas matas, a encontrar colmeias e colher o mel, a distinguir as plantas comestíveis. Ocuparam as clareiras já abertas pelos índios para construírem suas vilas, aprenderam a utilizar venenos para pesca, assim como arcos e flechas na falta de pólvora. Os Munduruku, Tupari, Bororo, Zo’e, Waninawa e mais uma centena de povos, de culturas variadas eram os únicos senhores dessas terras até 1500.
O contraditório em nossa história é que, hoje, os índios, primeiros habitantes dessas terras, parecem estrangeiros em seu próprio país. Poucos brasileiros sabem falar as línguas indígenas e muitos exigem que os índios entendam português. Ademais, embora se afirme que o brasileiro é, basicamente, o resultado da miscigenação cultural e racial de ameríndios, africanos e europeus, nossas escolas pouco ou nada discutem com seus alunos sobre os costumes, as crenças e o modo de vida das várias etnias que habitam e habitavam o território nacional.
Mas como eram essas terras quando o portugueses chegaram?
A CHEGADA DOS PORTUGUESES
Sabemos muito pouco sobre como eram as terras indígenas antes de 1500. Analisemos um dos primeiros documentos escritos descrevendo essas terras. Voltemos a 1500. Nesse ano, Pedro Álvares Cabral, com sua esquadra, chegou à costa das terras que viriam a constituir o Brasil. Entre outros, acompanhava-o o escrivão Pero Vaz de Caminha. Ele descreveu numa carta, encaminhada ao rei de Portugal, D. Manoel, o primeiro encontro dos portugueses com as terras americanas:
Qual foi a primeira coisa que se distinguia na paisagem e que chamou a atenção de Pero Vaz de Caminha? Repare que foi um monte, ao qual viria a ser dado o nome de Monte Pascoal, e seus arredores. E que mais ele avistou? Vejamos.
Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra sul vimos até outra ponta que contra o norte, de que nós deste porto tivemos visão, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte cinco léguas por costa. Traz, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, algumas vermelhas, outras brancas; e a terra por cima toda plana e muito cheia de grandes arvoredos. (idem, p. 93)
Ele observou uma parte do litoral sul do estado da Bahia de hoje. Divisou também o que sua visão alcançava no interior, ou seja, o sertão, como eles chamavam.
Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra sul vimos até outra ponta que contra o norte, de que nós deste porto tivemos visão, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte cinco léguas por costa. Traz, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, algumas vermelhas, outras brancas; e a terra por cima toda plana e muito cheia de grandes arvoredos. (idem, p. 93)
Ele observou uma parte do litoral sul do estado da Bahia de hoje. Divisou também o que sua visão alcançava no interior, ou seja, o sertão, como eles chamavam.
A princípio, Pero Vaz de Caminha parecia estar muito impressionado com a extensão das matas. Elas iam até onde sua vista podia alcançar. Não é de estranhar esse fato, pois ele vinha de Portugal, que, no século XV, já havia abatido, em grande parte, suas áreas de matas. A madeira era um recurso natural fundamental para a sobrevivência, como ainda é. As caravelas eram construídas de madeira, a comida era preparada em fogão a lenha, o fogo aquecia as moradias.
Embora essa imagem que Caminha constrói sobre as matas nos leve a imaginar uma terra desabitada, ele logo desfaz essa sensação ao afirmar ter avistado homens na praia:
Embora essa imagem que Caminha constrói sobre as matas nos leve a imaginar uma terra desabitada, ele logo desfaz essa sensação ao afirmar ter avistado homens na praia:
Ele descreve os homens que os portugueses encontraram:
Pero Vaz de Caminha observa justamente aqueles aspectos que os índios tinham de diferente dos portugueses: a cor, a nudez e sua aparência saudável. Cabe apontar que os marinheiros da esquadra de Cabral, como era comum naquelas longas viagens marítimas, quando chegaram à costa, estavam fisicamente debilitados, por ficarem muito tempo em alto mar alimentando-se inadequadamente e tomando água insalubre. Muitos contraíram escorbuto, uma doença que decorre da falta de vitaminas e que pode levar à morte.
Em sua carta, Pero Vaz de Caminha anota que os degredados enviados à terra pelo Capitão para observarem o que havia mais ao interior, ao se juntarem novamente aos membros da esquadra, descreveram a povoação indígena que haviam visitado:
(...) foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais diziam que eram tão compridas (...) Eram de madeira (...) e cobertas de palha, de razoável altura . (idem, 65)
Como será que as populações que viviam aqui denominavam essas terras antes de os portugueses chegarem? Isso não ficamos sabendo pela carta de Pero Vaz de Caminha, porque ele não nos diz. Ele não conhecia a língua falada pela população que encontrou, mas também não estava interessado em obter essa informação. Afinal, Pedro Álvares Cabral e sua frota estavam a serviço do rei de Portugal. Descobriram as terras para que D. Manoel tomasse posse delas. Tanto que uma das primeiras iniciativas deles ao desembarcarem foi dar o nome Terra da Vera Cruz às terras que começavam a conquistar. Em realidade, a princípio, acreditavam que haviam descoberto uma ilha. Note como Pero Vaz de Caminha encerra a sua carta:
Deste Porto Seguro, da vossa Ilha da Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. (idem, p. 95)
Repare que Pero Vaz escreve “vossa ilha da Vera Cruz”, afirmando que as terras pertenciam ao rei de Portugal, D. Manoel.
Os relatos de Caminha e de poucos outros viajantes, que aqui estiveram junto com Cabral ou logo nos primeiros anos seguintes, são os poucos documentos escritos que existem descrevendo as terras indígenas, antes de efetivamente ter sido iniciada a conquista territorial e de sua conseqüente transformação paisagística, populacional, cultural e social.
Note-se que, nos relatos feitos ao rei de Portugal, foi dada especial atenção aos detalhes mais importantes para a conquista, os habitantes e os recursos naturais, em detrimento de outros aspectos. Afora isso, como as culturas indígenas são muito diferentes das européias, os primeiros narradores não entendiam o significado de muitos costumes indígenas, não compreendiam as suas formas de organização social, econômica e política; conseqüentemente, interpretavam-nos de modo totalmente errado. Por exemplo, tradicionalmente, os índios não estabeleciam limites precisos para suas terras, pelo menos como fazemos hoje em dia, conforme se depreende da descrição seguinte, retratando a relação de muitos grupos indígenas com a terra:
Os primeiros europeus não reconheciam os caminhos indígenas, que podiam ser demarcados de forma muito sutil, ou seja, por um galho quebrado. Eram veredas a serem trilhadas em fila. Muito diferente de um caminho aberto para trânsito de cavalos, carroças e mercadorias, como acontecia na Europa. Esses lugares de antigas moradas conservadas por índios, a que o texto acima se refere, eram interpretados pelos europeus como aldeias abandonadas porque, quando as encontravam, elas estavam vazias.
Quanto aos cemitérios, os índios tinham crenças variadas e diferentes formas de encararem a morte, de tratarem e reverenciarem seus mortos, até porque não eram cristãos como os portugueses, que dificilmente distinguiam um cemitério indígena na paisagem.
Por tudo isso, pelo fato de não entenderem e aceitarem a diversidade cultural entre os povos, os europeus acreditavam que os índios eram selvagens e ainda estavam num estágio inicial de desenvolvimento social e cultural. Essa concepção interferia no modo de olhar e descrever as sociedades indígenas.
Os documentos escritos sobre as terras que formariam o Brasil e seus habitantes de antes da colonização ainda existentes são poucos, parciais e apresentam um quadro incompleto que pode levar a conclusões incorretas.
Com a dizimação de dezenas de tribos entre os séculos XVI e XX, perdeu-se a memória de muitos desses povos, importante para a pesquisa sobre como eram estas terras e os povos que aqui viviam antes da chegada dos portugueses.
Por tudo isso, pelo fato de não entenderem e aceitarem a diversidade cultural entre os povos, os europeus acreditavam que os índios eram selvagens e ainda estavam num estágio inicial de desenvolvimento social e cultural. Essa concepção interferia no modo de olhar e descrever as sociedades indígenas.
Os documentos escritos sobre as terras que formariam o Brasil e seus habitantes de antes da colonização ainda existentes são poucos, parciais e apresentam um quadro incompleto que pode levar a conclusões incorretas.
Com a dizimação de dezenas de tribos entre os séculos XVI e XX, perdeu-se a memória de muitos desses povos, importante para a pesquisa sobre como eram estas terras e os povos que aqui viviam antes da chegada dos portugueses.
A FIXAÇÃO DAS FRONTEIRAS BRASILEIRAS
Por volta de 1503, as terras recém-conquistadas pelos portugueses na América passaram a ser denominadas Brasil. Essas terras foram incorporadas aos domínios de Portugal como sua Colônia, ficando, portanto, sob sua posse e sua administração. A natureza foi explorada e transformada, e as terras repovoadas, conforme os interesses portugueses.
Desde o primeiro século da colonização, o mapa oficial do Brasil colônia (de 1500 a 1822) variou a partir de tratados estabelecidos entre Portugal e Espanha, como se aquelas terras não fossem ocupadas por povos indígenas. Boa parte da América do Sul ficou como domínio espanhol por conta do Tratado de Tordesilhas, que estabeleceu a primeira fronteira do Brasil.
As terras pertencentes a Portugal, situadas na região do Brasil, foram divididas em quinze porções, demarcadas por linhas paralelas ao Equador, que se estendiam da costa até uma linha imaginária que passava pela foz do Amazonas e terminava no litoral do atual estado de Santa Catarina. Cada porção foi denominada capitania, e entregue a um capitão donatário. Este ficou incumbido de povoá-la com colonos vindos de Portugal. Tudo que estava além daquela faixa, a oeste, pertencia à Espanha. Observe o mapa apresentado a baixo:
As terras pertencentes a Portugal, situadas na região do Brasil, foram divididas em quinze porções, demarcadas por linhas paralelas ao Equador, que se estendiam da costa até uma linha imaginária que passava pela foz do Amazonas e terminava no litoral do atual estado de Santa Catarina. Cada porção foi denominada capitania, e entregue a um capitão donatário. Este ficou incumbido de povoá-la com colonos vindos de Portugal. Tudo que estava além daquela faixa, a oeste, pertencia à Espanha. Observe o mapa apresentado a baixo:
Apesar do Tratado de Tordesilhas, esse mapa não expressava a realidade. Embora houvesse uma linha no mapa, separando as possessões portuguesas das espanholas, ela não assinalava o que efetivamente cada uma das potências européias dominava e o que já povoava. Significava somente o que os Estados Ibéricos – Portugal e Espanha - consideravam como colônias suas, independentemente de quem as ocupava. Observe novamente o mapa e você verá que, ao longo da costa brasileira, há uma mancha mais escura, que mostra a área de efetivo povoamento. Para além dessa mancha, o território era dominado por grupos indígenas, ou nações, como diziam os portugueses.
AS FRONTEIRAS, O POVOAMENTO E OS CONFRONTOS COM OS ÍNDIOS
Nos trezentos anos iniciais da colonização, embora Espanha e Portugal houvessem estabelecido fronteiras políticas e as demarcado nos mapas, não conseguiram conquistar efetivamente todas as terras dos índios, nem povoar boa parte do continente sul-americano. A expansão da área ocupada por fazendas de criação, lavouras e cidades caminhou vagarosamente e ficou bem aquém das fronteiras políticas dos domínios espanhóis e portugueses. Os grupos indígenas resistiram à invasão de suas terras, impedindo a efetivação do domínio português e espanhol.
Em 1822, na época da Independência, o Brasil já tinha quase a mesma conformação do território brasileiro atual, conseguida através de acordos diplomáticos entre Portugal e Espanha. Entretanto, tais acordos desconsideravam os grupos indígenas que habitavam e dominavam as terras brasileiras. Portugal e Espanha consideravam como suas possessões terras que, em realidade, seus colonos não haviam povoado integralmente. O processo de avanço da área colonizada foi árduo.
A resistência indígena à invasão e à escravização se estendeu penosamente do início da colonização portuguesa ao século XX. Podemos enumerar centenas de confrontos. Como exemplo, apontamos a luta dos Kaingang, de Guarapuava, no Paraná, nos séculos XVIII e XIX; dos Tupinikim, em Ilhéus, no litoral sul da Bahia e no Espírito Santo, e dos Potiguara, na Paraíba, no século XVI; dos Tamoio, no Rio de Janeiro, e dos Guaiacuru, no Pantanal, no século XVIII; dos Xavante, em Goiás, e dos Kadiwéu, no Mato Grosso do Sul, no século XIX; e dos Maxakali, em Minas Gerais, no século XX. Muitas tribos levaram os colonos a sérios reveses, dificultando o seu avanço por mais de uma década. Foram várias guerras. O resultado foi desastroso: ao redor de 1.477 povos indígenas vítimas de extinção.
A resistência indígena à invasão e à escravização se estendeu penosamente do início da colonização portuguesa ao século XX. Podemos enumerar centenas de confrontos. Como exemplo, apontamos a luta dos Kaingang, de Guarapuava, no Paraná, nos séculos XVIII e XIX; dos Tupinikim, em Ilhéus, no litoral sul da Bahia e no Espírito Santo, e dos Potiguara, na Paraíba, no século XVI; dos Tamoio, no Rio de Janeiro, e dos Guaiacuru, no Pantanal, no século XVIII; dos Xavante, em Goiás, e dos Kadiwéu, no Mato Grosso do Sul, no século XIX; e dos Maxakali, em Minas Gerais, no século XX. Muitas tribos levaram os colonos a sérios reveses, dificultando o seu avanço por mais de uma década. Foram várias guerras. O resultado foi desastroso: ao redor de 1.477 povos indígenas vítimas de extinção.
No mesmo documento, o próprio comandante afirma que os índios que habitavam a bacia do rio Tibagi, chamado de sertão do Tibagi, os Kaingang, ocupavam aquelas terras. Apesar disso, e diferentemente da concepção dos indígenas, os portugueses consideravam aquelas terras como parte do domínio do rei de Portugal. Uma vez que esses índios que as habitavam atacavam as fazendas em que tentavam se estabelecer, ali o general ordenou a invasão, o que significava destruição dos índios e de suas aldeias.
Leia, na próxima página, a passagem seguinte do diário, em que fica claro o reconhecimento de que os índios dominavam aquelas terras (eram os “senhores da casa”), assim como as conheciam muito bem, tanto que sabiam suas “entradas e saídas”, ou seja, conseguiam se localizar e se orientar em seus caminhos.
Leia, na próxima página, a passagem seguinte do diário, em que fica claro o reconhecimento de que os índios dominavam aquelas terras (eram os “senhores da casa”), assim como as conheciam muito bem, tanto que sabiam suas “entradas e saídas”, ou seja, conseguiam se localizar e se orientar em seus caminhos.
AS TERRAS INDÍGENAS
Ainda que, desde a Independência (1822), o mapa político do Brasil tenha sofrido poucas alterações, os índios não abandonaram as terras e eram os únicos habitantes de extensa porção do território nacional. As lutas pelas terras indígenas não acabaram no século XIX e nem no XX. Lembre-se de que, durante as comemorações dos 500 anos do descobrimento, os povos indígenas reivindicavam a demarcação de suas terras.
Examine o depoimento feito em 1994 por Jorge Lemes Ferreira Ibã Kaxinawá, sobre os ataques a índios no Acre, visando à apropriação de suas terras.
(...) quando meu pai começou a trabalhar, ele me contava a história de que ele vivia muito preocupado devido às correrias. Tanto caucheiro peruano como patrão cariú maltratavam muito os índios: matavam, invadiam, tratavam índio que nem bicho da mata. Peruano atacava, matava gente e tocava fogo no kupixawa. Jogavam meninos pequenos para o alto e aparavam em ponta de faca. Finada minha avó contava isso para mim. Matavam os homens todos e amarravam as mulheres para levar. Arrasavam os kupixawas dos moradores, tocavam fogo. Meu avô me contava. Os índios entravam dentro de buraco do tatu canastra para poder escapar, salvar a vida. Quando paravam de vir aqueles caucheiros, via quantidade de índios tudo morto, de bala, furado de faca.
IBÃ KAXINAWÁ, Jorge Lemes Ferreira. Professores índios do Acre e do sul do Amazonas: história indígena. Rio Branco: Comissão Pró-Índio, 1996. p. 35 e 37. Entrevista em março de 1994.
Examine o depoimento feito em 1994 por Jorge Lemes Ferreira Ibã Kaxinawá, sobre os ataques a índios no Acre, visando à apropriação de suas terras.
(...) quando meu pai começou a trabalhar, ele me contava a história de que ele vivia muito preocupado devido às correrias. Tanto caucheiro peruano como patrão cariú maltratavam muito os índios: matavam, invadiam, tratavam índio que nem bicho da mata. Peruano atacava, matava gente e tocava fogo no kupixawa. Jogavam meninos pequenos para o alto e aparavam em ponta de faca. Finada minha avó contava isso para mim. Matavam os homens todos e amarravam as mulheres para levar. Arrasavam os kupixawas dos moradores, tocavam fogo. Meu avô me contava. Os índios entravam dentro de buraco do tatu canastra para poder escapar, salvar a vida. Quando paravam de vir aqueles caucheiros, via quantidade de índios tudo morto, de bala, furado de faca.
IBÃ KAXINAWÁ, Jorge Lemes Ferreira. Professores índios do Acre e do sul do Amazonas: história indígena. Rio Branco: Comissão Pró-Índio, 1996. p. 35 e 37. Entrevista em março de 1994.
Você deve ter observado que a história do Acre e das invasões das terras indígenas nessa região estavam relacionadas à extração da borracha. Note como os índios Kaxinawá, habitantes das florestas acreanas, foram tratados pelos seringalistas, seringueiros e caucheiros.
As fronteiras brasileiras atuais envolvem terras de povos indígenas, sendo que boa parte ainda não está demarcada, como já afirmamos no início deste capítulo. Existem, porém, grupos que estão fora dessas áreas e evitam o contato com a sociedade brasileira. O CIMI – Conselho Indigenista Missionário – informa que existem, neste início do novo milênio, mais de 40 povos indígenas livres ou isolados (sem contato com a sociedade brasileira) vivendo nos estados do Amazonas, Pará, Acre, Rondônia, Mato Grosso, Maranhão e Goiás.
As fronteiras brasileiras atuais envolvem terras de povos indígenas, sendo que boa parte ainda não está demarcada, como já afirmamos no início deste capítulo. Existem, porém, grupos que estão fora dessas áreas e evitam o contato com a sociedade brasileira. O CIMI – Conselho Indigenista Missionário – informa que existem, neste início do novo milênio, mais de 40 povos indígenas livres ou isolados (sem contato com a sociedade brasileira) vivendo nos estados do Amazonas, Pará, Acre, Rondônia, Mato Grosso, Maranhão e Goiás.
Responda em seu caderno:
O que os Panará sabiam sobre os “brancos”, antes de entrarem em contato com os indigenistas? Quem havia transmitido a eles essas informações?
Esses índios Panará, segundo pesquisas, são descendentes dos Kayapó do Sul, que, do século XVII ao XIX, se distribuíam em terras do oeste paulista, Triângulo Mineiro, Mato Grosso do Sul e sul do Mato Grosso. Com a expansão das fazendas em direção ao seu território, entre o final do século XIX e início do XX, eles evitaram o contato, migrando para a região das bacias dos rios Peixoto e Iriri, entre Mato Grosso e Pará. Consideravam os brancos maus e perigosos.
A sua história revela que esses grupos, que ainda hoje fogem ao contato com a sociedade brasileira, resistem à invasão de suas terras e, quando não conseguem, se refugiam em áreas de difícil acesso.
TERRAS DOS ÍNDIOS E TERRITÓRIO NACIONAL
Apesar da destruição trazida pelo colonizador português e da diminuição drástica de sua população, os índios têm subsistido ao longo desses 500 anos, têm imposto, constitucionalmente, o respeito às suas culturas e têm reivindicado suas terras. Esse é um processo que é parte da história da formação do território brasileiro, e que ainda está em andamento.
Ao longo do tempo, os confrontos entre povos e culturas constituíram-se em processos sociais e políticos que modelaram as fronteiras nacionais, como nós as conhecemos hoje. A história do Brasil exemplifica como as fronteiras foram delimitadas por processos de ocupação e confisco de terras, guerras e acordos diplomáticos. E, apesar de estarem definidas com a consolidação do Estado Nacional brasileiro, os conflitos envolvendo o território continuam até hoje, diante do direito das populações indígenas de resguardarem para si suas terras tradicionais, e, assim, garantirem sua própria continuidade física e cultural.
Quando os índios brasileiros clamam hoje pela demarcação de suas terras, indicam o caráter conflituoso do processo de formação do território nacional e a permanência de tensões, revelando a instabilidade das situações presentes.
Ao longo do tempo, os confrontos entre povos e culturas constituíram-se em processos sociais e políticos que modelaram as fronteiras nacionais, como nós as conhecemos hoje. A história do Brasil exemplifica como as fronteiras foram delimitadas por processos de ocupação e confisco de terras, guerras e acordos diplomáticos. E, apesar de estarem definidas com a consolidação do Estado Nacional brasileiro, os conflitos envolvendo o território continuam até hoje, diante do direito das populações indígenas de resguardarem para si suas terras tradicionais, e, assim, garantirem sua própria continuidade física e cultural.
Quando os índios brasileiros clamam hoje pela demarcação de suas terras, indicam o caráter conflituoso do processo de formação do território nacional e a permanência de tensões, revelando a instabilidade das situações presentes.