Aula 04
Diretrizes curriculares para o Ensino Fundamental de nove anos
A ampliação do Ensino Fundamental para nove anos no Brasil se associa à realidade de vários países, inclusive da América Latina, que perfazem em média um total de doze anos de estudo básico contínuo. Assim, o Brasil procura equiparar-se com essas nações, na esperança de aprimorar o ensino nacional. Historicamente, a educação brasileira defronta-se com adversidades ainda não superadas, como altas taxas de evasão e repetência, analfabetismo, problemas na carreira, na formação e na valorização dos professores, infraestrutura escolar inapropriada. Além disso, enfrenta o paradoxo entre a admissão do aluno e o bom êxito escolar, já que a educação formal no Brasil não tem mostrado apoderar-se plenamente do processo de alfabetização, constituindo uma das maiores intercorrências nessa área: manter a qualidade e a equidade de ensino e aprendizagem para todos.
Partindo desses pressupostos, neste capítulo pretende-se refletir sobre as bases que fundamentam as Diretrizes Curriculares Nacionais de nove anos no país e sua aplicabilidade prática.
Partindo desses pressupostos, neste capítulo pretende-se refletir sobre as bases que fundamentam as Diretrizes Curriculares Nacionais de nove anos no país e sua aplicabilidade prática.
O direito à educação como fundamento maior das diretrizes curriculares
O direito à educação formal constitui-se num mecanismo para que as pessoas possam desfrutar da igualdade de oportunidades em um determinado contexto histórico. Esse direito, instituído em lei, torna-se uma obrigatoriedade do Estado, quando garante o acesso para todos os cidadãos brasileiros por meio da gratuidade (CURY, 2002, p. 259).
Na visão de Jamil Cury (2002, p. 259):
A declaração e a garantia de um direito tornam-se imprescindíveis no caso de países, como o Brasil, com forte tradição elitista e que tradicionalmente reservam apenas às camadas privilegiadas este bem social. Por isso, declarar e assegurar são mais que uma proclamação solene. Declarar é retirar do esquecimento e proclamar aos que não sabem, ou esqueceram que eles continuam a ser portadores de um direito importante. Disso resulta a necessária cobrança deste direito quando ele não é respeitado (grifos nossos).
Nessa vertente, endossa o autor que o fato de garantir o acesso à Educação Básica pública às crianças de 6 anos de idade, devolve a elas o direito ao exercício da cidadania. Dessa forma, autoriza a uma parcela maior da comunidade frequentar mais cedo a escola, usufruindo de um direito que antes era extensivo apenas às crianças favorecidas, matriculadas no sistema formal de ensino brasileiro (CURY, 2002, p. 260).
No entanto, sabe-se que somente a normatização legal específica não garante por si só o direito à educação escolar e à democracia. Até porque ela é fruto de um intenso caminho a ser per- corrido, da mobilização de diversos segmentos da sociedade brasileira, de concepções distintas de educação, do comprometimento dos professores e do envolvimento da comunidade educacional, assim como do papel efetivo do Estado com a formulação pertinente de políticas públicas educacionais, que devem intervir nas situações de desigualdades (FREITAS, 2008).
Diante dessas inquietações, a política de extensão do Ensino Fundamental de nove anos, respaldada na Lei Federal n. 11.114/2005, propôs-se assegurar o direito à educação obrigatória, aos menores de 6 anos de idade, apoiada na Lei Federal n. 11.274/2006, reconhecendo que estas, ao ingressar antecipadamente no ambiente escolar, possam usufruir das mesmas oportunidades das demais crianças dessa faixa etária (COMPARATO, 2004, p. 67).
Segundo o documento escrito pelos responsáveis do Ministério da Educação (BRASIL, 2009), a entrada antecipada da criança no Ensino Fundamental tem como foco assegurar a ela um período maior de convivência escolar, ampliando sua oportunidade no processo de aprendizagem da leitura e da escrita e nos conceitos básicos das áreas de conhecimento de Matemática, Ciências e Estudos Sociais. Para tanto, recomenda-se a reestruturação do currículo escolar e da formação continuada dos professores, além de boas condições de trabalho docente, revendo sua carga horária, número satisfatório de alunos por sala de aula, materiais e recursos didático-pedagógicos pertinentes e a adequada infraestrutura do espaço físico, entre outras tantas questões, que implicarão na efetivação da proposta educacional vigente. Dessa forma, justifica-se que o Ensino Fundamental de nove anos estenda o período de permanência escolar e antecipe a entrada de crianças a partir dos seis anos de idade, porém muitos fatores ainda comprometem esse contexto educacional (KRAMER, 2006).
Consciente dessas mudanças, o Ministério da Educação (BRASIL, 2009) elaborou um documento específico com todas as normas e informações pertinentes para dar subsídios aos gestores municipais e estaduais, conselhos de educação, comunidade escolar e demais órgãos educacionais, denominado Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade, ressaltando que:
A criança de seis anos de idade que passa a fazer parte desse nível de ensino não poderá ser vista como um sujeito a quem faltam conteúdos da Educação Infantil ou um sujeito que será preparado, nesse primeiro ano, para os anos seguintes do Ensino Fundamental. Reafirmamos que essa criança está no ensino obrigatório e, portanto, precisa ser atendida em todos os objetivos legais e pedagógicos para essa etapa de ensino. (BRASIL, 2006b, p. 8, grifos nossos)
Entretanto, os objetivos da ampliação do Ensino Fundamental de nove anos de duração são apresentados neste registro documental: Ensino Fundamental de nove anos: passo a passo do processo de implantação, como se esclarece:
a) melhorar as condições de equidade e de qualidade da Educação Básica;
b)estruturar um novo Ensino Fundamental para que as crianças prossigam nos estudos, alcançando maior nível de escolaridade;
c) assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianças tenham um tempo mais longo para as aprendizagens da alfabetização e do letramento (BRASIL, 2009).
Diante disso, a justificativa apresentada pelo governo federal para a incorporação desses menores dessa faixa etária do Ensino Fundamental acontece, em parte, pela constatação de que um contingente significativo de menores, filhos de famílias das classes média e alta, já se encontram inseridos no espaço escolar, seja na pré-escola, seja no Ensino Fundamental – o que difere da realidade da maior parte das crianças brasileiras dessa idade. Sendo assim, acredita-se que a reorganização proposta pelo Ministério da Educação pode contribuir para que este último grupo tenha as mesmas oportunidades que as demais (BRASIL, 2009).
Nessa mesma linha de raciocínio, o documento do MEC reforça que a inclusão de menores de 6 anos de idade nessa atual modalidade de ensino, não implica na antecipação dos conteúdos e das atividades pedagógicas, que tradicionalmente foram compreendidos como adequados para serem ensinados na primeira série do Ensino Fundamental de oito anos de duração. O escopo é construir uma nova estrutura curricular, com a sistematização dos conteúdos pedagógicos para o Ensino Fundamental vigente, agora com a duração de nove anos de escolarização (BRASIL, 2009).
Outra argumentação que vem reforçar esse processo de antecipação do acesso e da obrigatoriedade de escolarização da criança de 6 anos no Ensino Fundamental é que se trata de uma medida adotada pelo governo federal em decorrência dos indicadores das políticas públicas educacionais dos países europeus e da maioria dos países da América Latina e do Caribe.
Segundo dados da Oficina Regional de Educação para América Latina e Caribe, órgão da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – OREALC/Unesco (2007), dos 41 países da América Latina e Caribe citados na pesquisa,
[...] 15 estabelecem 11 anos ou mais de ensino obrigatório, 11 países estabelecem a duração de 10 anos. Sendo que 5 países tem o tempo de duração da sua escolarização básica de 9 anos, 3 países, entre os quais o Brasil, no momento da pesquisa de dados, a duração da escolaridade básica era de 8 anos, um deles de 7 anos, e 6 países definem a duração do tempo de escolarização de apenas 6 anos. Em 22 países, dos 41 pesquisados, o início da educação obrigatória é aos 6 anos, em 15 é aos 5 anos e apenas em quatro países como o Brasil, El Salvador, Guatemala e Nicarágua, o ingresso na vida escolar era aos 7 anos, no momento da coleta dos dados. Dentre aqueles países que iniciam a educação obrigatória aos 6 anos, cinco países consideram o último ano da pré-escola como obriga- tório. (UNESCO, 2007, grifos nossos)
Vale ressaltar que a mudança para o ensino de nove anos incidiu sobre o art. 6o da LDB de 1996, que preconiza: “É dever dos pais ou responsáveis efetuar matrícula dos menores, a partir dos 6 anos de idade, no Ensino Fundamental”, pois, na época, manteve-se a duração mínima de oito anos para esse segmento, sem exigir o aumento de mais um ano. Os artigos da Constituição Federal de 1988 já expressavam que:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 208.
§1o O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é um direito público subjetivo.
§ 2o O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa na responsabilidade da autoridade competente. (BRASIL, 1988, grifos nossos)
Por sua vez, observamos que a Lei Federal n. 11.114/2005 tornou-se inconstitucional, por não atender aos preceitos legais mencionados anteriormente, na medida em que não responsabilizou o Estado pela oferta do Ensino Fundamental com duração de nove anos. A questão refere-se à matrícula na educação obrigatória preconizada na Constituição Federal de 1988, a qual passou a ser um direito público. Esse fato obriga o Estado a criar formas de efetivação e proteção da edu- cação, quando esse direito for negado à criança ou a um adulto que, em idade própria, não tenha frequentado ou concluído essa etapa da educação obrigatória (BRASIL, 2005).
Mas, em fevereiro de 2006, o Conselho Nacional de Educação (CNE) apresentou a Lei Federal n. 11.274, que alterou a redação dos artigos 29, 30, 32 e 87 da LDB 9.394/96, sobre o ingresso da criança no Ensino Fundamental e o tempo de duração da educação obrigatória. Essa lei complementou a legislação anterior, de modo a determinar ao Estado o papel que lhe incumbe no sentido de responsabilizar o poder público pela oferta dessas vagas (BRASIL, 1996).
Enfim, a referida lei possibilitou o atendimento a um direito educacional que sedimenta:
O exercício do direito à educação [...]. Exige condições materiais que o torne realidade: a) que seja possível o acesso material a uma vaga na escola, garantia que compete ao Estado assegurar. Os Estados costumam aceitar o direito em suas legislações antes de prever as condições necessárias para exercê-lo; b) possibilidade de assistir regularmente às aulas e permanecer na escola durante a etapa considerada como obrigatória, sem obstáculos provenientes das condições de vida externas ou das práticas escolares internas que possam levar à exclusão ou à evasão escolar [...]. (GIMENO, 2001, p. 19)
Essas palavras complementam o sentido que o legislador impõe à implantação do Ensino Fundamental de nove anos, responsabilizando o Poder Público, para que crie também as condições administrativas, estruturais e pedagógicas a fim de que esse direito seja efetivamente atendido.
A ampliação da escolaridade obrigatória é uma conquista para as classes populares e deve ser estendida cada vez mais, agora incluindo o contingente de crianças de 6 anos. Com essa mudança, os brasileiros dos 3 aos 14 anos de idade terão direito a 11 anos de Educação Básica pública.
Por sua vez, a Resolução n. 3, de 3 de agosto de 2005, do Conselho Nacional de Educação (CNE) modificou a nomenclatura a ser adotada para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, especificando-os desta forma:
Educação Infantil - 5 anos de duração - Até 5 anos de idade
Creche - Até 3 anos de idade.
Pré-Escola - 4 e 5 anos de idade.
Ensino Fundamental - 9 anos de duração - Até 14 anos de idade
Anos iniciais - 5 anos de duração - dos 6 aos 10 anos de idade.
Anos finais - 4 anos de duração - dos 11 aos 14 anos de idade. (BRASIL, 2005, grifos nossos)
A reflexão acerca da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) não pode ser abalizada como uma indagação atual ou inédita; essa pauta aparece em várias legislações, com início na Constituição Federal de 1988, que, no artigo 210, já pre- via indicações de uma diretriz curricular nacional para o Ensino Fundamental, nos seguintes termos: “Serão fixados conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental, Diretrizes curriculares para o Ensino Fundamental de nove anos 29 Cabe considerarmos que na Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica brasileira, não existe reprovação, apenas o acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças. Segundo preconiza a LDB 9.394/96, essa fase tem como finalidade precípua o desenvolvimento integral da criança até os 5 anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social.
Para tanto, as condições mínimas dessa jornada são: 200 dias letivos; turno parcial de pelo menos 4 horas e turno integral de 7 horas; frequência mínima de 60% das horas; e a documentação que comprova o desenvolvimento e a aprendizagem da criança.
No entanto, a finalidade do Ensino Fundamental brasileiro é a formação básica do cidadão. Para isso, segundo o art. 32 da LDB, é necessário:
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnolo- gia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;
IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. (BRASIL, 1996, grifos nossos)
Porém, na visão dos educadores, sabemos que, quanto mais cedo, mais a criança usufrui do mundo da leitura e da escrita e de outros bens culturais historicamente construídos. Levando-se em conta a singularidade do menor, este terá melhor êxito em seu processo de escolarização.
Assim, diante desse cenário, constatamos que o direito à inserção da criança de 6 anos no Ensino Fundamental com o tempo de implantação de nove anos não garante a melhoria da qualidade do ensino. Outros fatores estão implicados nessa perspectiva educacional, como a devida formação inicial e continuada dos professores, uma estrutura física institucional pertinente, a reorganização da nova proposta e materiais pedagógicos ajustados, respeitando o direito de ser criança antes de ser aluno, entre outros aspectos que buscam dar conta da obrigatoriedade nas escolas dos atuais aparatos legais educacionais.
Em contrapartida, sem o devido enfrentamento dessas questões, teremos somente um ano a mais de escolarização e continuaremos com crianças e adolescentes apresentando dificuldades de aprendizagem e analfabetismo funcional, nos primeiros ou nos últimos anos de estudos da Educação Básica brasileira.
Na visão de Jamil Cury (2002, p. 259):
A declaração e a garantia de um direito tornam-se imprescindíveis no caso de países, como o Brasil, com forte tradição elitista e que tradicionalmente reservam apenas às camadas privilegiadas este bem social. Por isso, declarar e assegurar são mais que uma proclamação solene. Declarar é retirar do esquecimento e proclamar aos que não sabem, ou esqueceram que eles continuam a ser portadores de um direito importante. Disso resulta a necessária cobrança deste direito quando ele não é respeitado (grifos nossos).
Nessa vertente, endossa o autor que o fato de garantir o acesso à Educação Básica pública às crianças de 6 anos de idade, devolve a elas o direito ao exercício da cidadania. Dessa forma, autoriza a uma parcela maior da comunidade frequentar mais cedo a escola, usufruindo de um direito que antes era extensivo apenas às crianças favorecidas, matriculadas no sistema formal de ensino brasileiro (CURY, 2002, p. 260).
No entanto, sabe-se que somente a normatização legal específica não garante por si só o direito à educação escolar e à democracia. Até porque ela é fruto de um intenso caminho a ser per- corrido, da mobilização de diversos segmentos da sociedade brasileira, de concepções distintas de educação, do comprometimento dos professores e do envolvimento da comunidade educacional, assim como do papel efetivo do Estado com a formulação pertinente de políticas públicas educacionais, que devem intervir nas situações de desigualdades (FREITAS, 2008).
Diante dessas inquietações, a política de extensão do Ensino Fundamental de nove anos, respaldada na Lei Federal n. 11.114/2005, propôs-se assegurar o direito à educação obrigatória, aos menores de 6 anos de idade, apoiada na Lei Federal n. 11.274/2006, reconhecendo que estas, ao ingressar antecipadamente no ambiente escolar, possam usufruir das mesmas oportunidades das demais crianças dessa faixa etária (COMPARATO, 2004, p. 67).
Segundo o documento escrito pelos responsáveis do Ministério da Educação (BRASIL, 2009), a entrada antecipada da criança no Ensino Fundamental tem como foco assegurar a ela um período maior de convivência escolar, ampliando sua oportunidade no processo de aprendizagem da leitura e da escrita e nos conceitos básicos das áreas de conhecimento de Matemática, Ciências e Estudos Sociais. Para tanto, recomenda-se a reestruturação do currículo escolar e da formação continuada dos professores, além de boas condições de trabalho docente, revendo sua carga horária, número satisfatório de alunos por sala de aula, materiais e recursos didático-pedagógicos pertinentes e a adequada infraestrutura do espaço físico, entre outras tantas questões, que implicarão na efetivação da proposta educacional vigente. Dessa forma, justifica-se que o Ensino Fundamental de nove anos estenda o período de permanência escolar e antecipe a entrada de crianças a partir dos seis anos de idade, porém muitos fatores ainda comprometem esse contexto educacional (KRAMER, 2006).
Consciente dessas mudanças, o Ministério da Educação (BRASIL, 2009) elaborou um documento específico com todas as normas e informações pertinentes para dar subsídios aos gestores municipais e estaduais, conselhos de educação, comunidade escolar e demais órgãos educacionais, denominado Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade, ressaltando que:
A criança de seis anos de idade que passa a fazer parte desse nível de ensino não poderá ser vista como um sujeito a quem faltam conteúdos da Educação Infantil ou um sujeito que será preparado, nesse primeiro ano, para os anos seguintes do Ensino Fundamental. Reafirmamos que essa criança está no ensino obrigatório e, portanto, precisa ser atendida em todos os objetivos legais e pedagógicos para essa etapa de ensino. (BRASIL, 2006b, p. 8, grifos nossos)
Entretanto, os objetivos da ampliação do Ensino Fundamental de nove anos de duração são apresentados neste registro documental: Ensino Fundamental de nove anos: passo a passo do processo de implantação, como se esclarece:
a) melhorar as condições de equidade e de qualidade da Educação Básica;
b)estruturar um novo Ensino Fundamental para que as crianças prossigam nos estudos, alcançando maior nível de escolaridade;
c) assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianças tenham um tempo mais longo para as aprendizagens da alfabetização e do letramento (BRASIL, 2009).
Diante disso, a justificativa apresentada pelo governo federal para a incorporação desses menores dessa faixa etária do Ensino Fundamental acontece, em parte, pela constatação de que um contingente significativo de menores, filhos de famílias das classes média e alta, já se encontram inseridos no espaço escolar, seja na pré-escola, seja no Ensino Fundamental – o que difere da realidade da maior parte das crianças brasileiras dessa idade. Sendo assim, acredita-se que a reorganização proposta pelo Ministério da Educação pode contribuir para que este último grupo tenha as mesmas oportunidades que as demais (BRASIL, 2009).
Nessa mesma linha de raciocínio, o documento do MEC reforça que a inclusão de menores de 6 anos de idade nessa atual modalidade de ensino, não implica na antecipação dos conteúdos e das atividades pedagógicas, que tradicionalmente foram compreendidos como adequados para serem ensinados na primeira série do Ensino Fundamental de oito anos de duração. O escopo é construir uma nova estrutura curricular, com a sistematização dos conteúdos pedagógicos para o Ensino Fundamental vigente, agora com a duração de nove anos de escolarização (BRASIL, 2009).
Outra argumentação que vem reforçar esse processo de antecipação do acesso e da obrigatoriedade de escolarização da criança de 6 anos no Ensino Fundamental é que se trata de uma medida adotada pelo governo federal em decorrência dos indicadores das políticas públicas educacionais dos países europeus e da maioria dos países da América Latina e do Caribe.
Segundo dados da Oficina Regional de Educação para América Latina e Caribe, órgão da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – OREALC/Unesco (2007), dos 41 países da América Latina e Caribe citados na pesquisa,
[...] 15 estabelecem 11 anos ou mais de ensino obrigatório, 11 países estabelecem a duração de 10 anos. Sendo que 5 países tem o tempo de duração da sua escolarização básica de 9 anos, 3 países, entre os quais o Brasil, no momento da pesquisa de dados, a duração da escolaridade básica era de 8 anos, um deles de 7 anos, e 6 países definem a duração do tempo de escolarização de apenas 6 anos. Em 22 países, dos 41 pesquisados, o início da educação obrigatória é aos 6 anos, em 15 é aos 5 anos e apenas em quatro países como o Brasil, El Salvador, Guatemala e Nicarágua, o ingresso na vida escolar era aos 7 anos, no momento da coleta dos dados. Dentre aqueles países que iniciam a educação obrigatória aos 6 anos, cinco países consideram o último ano da pré-escola como obriga- tório. (UNESCO, 2007, grifos nossos)
Vale ressaltar que a mudança para o ensino de nove anos incidiu sobre o art. 6o da LDB de 1996, que preconiza: “É dever dos pais ou responsáveis efetuar matrícula dos menores, a partir dos 6 anos de idade, no Ensino Fundamental”, pois, na época, manteve-se a duração mínima de oito anos para esse segmento, sem exigir o aumento de mais um ano. Os artigos da Constituição Federal de 1988 já expressavam que:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 208.
§1o O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é um direito público subjetivo.
§ 2o O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa na responsabilidade da autoridade competente. (BRASIL, 1988, grifos nossos)
Por sua vez, observamos que a Lei Federal n. 11.114/2005 tornou-se inconstitucional, por não atender aos preceitos legais mencionados anteriormente, na medida em que não responsabilizou o Estado pela oferta do Ensino Fundamental com duração de nove anos. A questão refere-se à matrícula na educação obrigatória preconizada na Constituição Federal de 1988, a qual passou a ser um direito público. Esse fato obriga o Estado a criar formas de efetivação e proteção da edu- cação, quando esse direito for negado à criança ou a um adulto que, em idade própria, não tenha frequentado ou concluído essa etapa da educação obrigatória (BRASIL, 2005).
Mas, em fevereiro de 2006, o Conselho Nacional de Educação (CNE) apresentou a Lei Federal n. 11.274, que alterou a redação dos artigos 29, 30, 32 e 87 da LDB 9.394/96, sobre o ingresso da criança no Ensino Fundamental e o tempo de duração da educação obrigatória. Essa lei complementou a legislação anterior, de modo a determinar ao Estado o papel que lhe incumbe no sentido de responsabilizar o poder público pela oferta dessas vagas (BRASIL, 1996).
Enfim, a referida lei possibilitou o atendimento a um direito educacional que sedimenta:
O exercício do direito à educação [...]. Exige condições materiais que o torne realidade: a) que seja possível o acesso material a uma vaga na escola, garantia que compete ao Estado assegurar. Os Estados costumam aceitar o direito em suas legislações antes de prever as condições necessárias para exercê-lo; b) possibilidade de assistir regularmente às aulas e permanecer na escola durante a etapa considerada como obrigatória, sem obstáculos provenientes das condições de vida externas ou das práticas escolares internas que possam levar à exclusão ou à evasão escolar [...]. (GIMENO, 2001, p. 19)
Essas palavras complementam o sentido que o legislador impõe à implantação do Ensino Fundamental de nove anos, responsabilizando o Poder Público, para que crie também as condições administrativas, estruturais e pedagógicas a fim de que esse direito seja efetivamente atendido.
A ampliação da escolaridade obrigatória é uma conquista para as classes populares e deve ser estendida cada vez mais, agora incluindo o contingente de crianças de 6 anos. Com essa mudança, os brasileiros dos 3 aos 14 anos de idade terão direito a 11 anos de Educação Básica pública.
Por sua vez, a Resolução n. 3, de 3 de agosto de 2005, do Conselho Nacional de Educação (CNE) modificou a nomenclatura a ser adotada para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, especificando-os desta forma:
Educação Infantil - 5 anos de duração - Até 5 anos de idade
Creche - Até 3 anos de idade.
Pré-Escola - 4 e 5 anos de idade.
Ensino Fundamental - 9 anos de duração - Até 14 anos de idade
Anos iniciais - 5 anos de duração - dos 6 aos 10 anos de idade.
Anos finais - 4 anos de duração - dos 11 aos 14 anos de idade. (BRASIL, 2005, grifos nossos)
A reflexão acerca da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) não pode ser abalizada como uma indagação atual ou inédita; essa pauta aparece em várias legislações, com início na Constituição Federal de 1988, que, no artigo 210, já pre- via indicações de uma diretriz curricular nacional para o Ensino Fundamental, nos seguintes termos: “Serão fixados conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental, Diretrizes curriculares para o Ensino Fundamental de nove anos 29 Cabe considerarmos que na Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica brasileira, não existe reprovação, apenas o acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças. Segundo preconiza a LDB 9.394/96, essa fase tem como finalidade precípua o desenvolvimento integral da criança até os 5 anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social.
Para tanto, as condições mínimas dessa jornada são: 200 dias letivos; turno parcial de pelo menos 4 horas e turno integral de 7 horas; frequência mínima de 60% das horas; e a documentação que comprova o desenvolvimento e a aprendizagem da criança.
No entanto, a finalidade do Ensino Fundamental brasileiro é a formação básica do cidadão. Para isso, segundo o art. 32 da LDB, é necessário:
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnolo- gia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;
IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. (BRASIL, 1996, grifos nossos)
Porém, na visão dos educadores, sabemos que, quanto mais cedo, mais a criança usufrui do mundo da leitura e da escrita e de outros bens culturais historicamente construídos. Levando-se em conta a singularidade do menor, este terá melhor êxito em seu processo de escolarização.
Assim, diante desse cenário, constatamos que o direito à inserção da criança de 6 anos no Ensino Fundamental com o tempo de implantação de nove anos não garante a melhoria da qualidade do ensino. Outros fatores estão implicados nessa perspectiva educacional, como a devida formação inicial e continuada dos professores, uma estrutura física institucional pertinente, a reorganização da nova proposta e materiais pedagógicos ajustados, respeitando o direito de ser criança antes de ser aluno, entre outros aspectos que buscam dar conta da obrigatoriedade nas escolas dos atuais aparatos legais educacionais.
Em contrapartida, sem o devido enfrentamento dessas questões, teremos somente um ano a mais de escolarização e continuaremos com crianças e adolescentes apresentando dificuldades de aprendizagem e analfabetismo funcional, nos primeiros ou nos últimos anos de estudos da Educação Básica brasileira.